Comportamento de Desgaste de um Material de Atrito com a Adição de Fibra de Aço  

 

Wear Behavior of Friction Material with the Addition of Steel Fiber

 

                               

Alexandre Roman   orcid.org/0000-0001-6784-0483

 

Alexandre Luís Gasparin 1,2    orcid.org/0000-0002-6403-5830

 

1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Engenharia de Materiais (PPGTEM), 95043-700, Caxias do Sul-RS, Brasil.

2 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), 95043-700, Caxias do Sul-RS, Brasil.

 

 

E-mail do autor principal: Alexandre Roman  alexandre.roman@fras-le.com

 

Resumo

O desgaste de material de atrito é uma das características mais importantes para veículos comerciais, especialmente quando a temperatura de serviço dos freios é frequentemente maior do que 300°C. Lonas de freio ou pastilhas de freio são substituídas com frequência. O presente estudo determinou a influência no desgaste de um material de atrito de base orgânica através da adição de fibra de aço na sua composição. Foram escolhidas lonas de freio de veículos comerciais para avaliação neste trabalho. Os ensaios foram realizados usando um dinamômetro inercial de freios em escala 1:1, conforme a sequência especificada na norma ISO26866, desenvolvida para avaliar desgaste de material de atrito. Foi observada uma redução na taxa de desgaste do material de atrito em torno de 50% com a adição de fibra de aço nas temperaturas acima de 230 °C. Em temperaturas menores, o mesmo efeito não foi verificado.

 

Palavras-Chave:  Material de Atrito; Desgaste; Fibra de Aço; ISO26866.

 

 

Abstract

Friction material wear is one of the main important features for commercial vehicles, especially when the service brake temperature is often higher than 300°C. Brake linings or brake pads are replaced very often. The present study determined the influence on the wear of an organic-based composite friction material by adding steel fiber in its composition. Brake linings of commercial vehicles were chosen for the present job. Tests were performed using an inertial brake dynamometer at 1:1 scale, using the test sequence specified in ISO26866 standard, designed to evaluate friction material wear. It was observed a decrease in the friction material wear rate around 50% with the addition of steel fiber in the temperatures above 230 °C. At lower temperatures, the same effect was not verified.

 

Key-words: Friction Material; Wear; Steel Fiber; ISO26866.

 


1    Introdução

A durabilidade de um material de atrito é um fator muito importante e depende do tipo selecionado para uma aplicação. O fator isolado que governa a durabilidade dos materiais de atrito é a temperatura. Os materiais de atrito são aglutinados por resinas orgânicas, impondo limitações na sua temperatura de utilização. Em temperaturas muito altas, há uma perda de área de contato através de uma deterioração global da superfície do material de atrito [1].

Os materiais de atrito são considerados materiais compósitos pois são produzidos utilizando-se diversas matérias-primas com objetivo de prover uma combinação de propriedades que não podem ser obtidas com os materiais isoladamente. Neste caso, os materiais compósitos apresentam propriedades superiores às dos seus componentes quando analisados em separado, isto é, atuam em sinergia [2,3].

A tabela 1 define os diferentes tipos de materiais de atrito, com base em características como nível de atrito, desgaste, compatibilidade com rotor, ruído e custo [3].

Tabela 1: Tipos de material de atrito.

Propriedades de um material de atrito

Tipos de material de atrito

Classe A Orgânico

Classe B Orgânico

Classe C Semi

Metálico

Nível de atrito

Baixa Temperatura

0,30 - 0,36

0,40 - 0,48

0,35 - 0,45

Alta Temperatura

0,25 - 0,15

0,40 - 0,30

0,40 - 0,35

Desgaste

Baixa Temperatura

Baixo

Baixo-Médio

Baixo

Alta Temperatura

Alto

Médio-Alto

Baixo-Médio

Agressão ao rotor

Baixa Temperatura

Baixa

Alta

Baixa

Alta Temperatura

Alta

Alta

Baixa

Propensão a ruído

Baixa

Alta

Baixa

Custo

Baixo Custo

Médio Custo

Alto Custo

Fonte: Autores.

A resina comumente utilizada para fabricação de materiais de atrito é a resina fenólica. Porém, estão disponíveis resinas modificadas as quais possuem uma maior resistência ao desgaste [4].

Tradicionalmente, os materiais de atrito possuem na sua composição 30 - 40% de conteúdo orgânico, como por exemplo: resinas, borrachas, e outras partículas orgânicas [5].

Os materiais de atrito que usam resinas resistentes ao calor (modificadas) são mais resistentes ao desgaste, e a resistência ao desgaste foi mais evidente em temperaturas acima da temperatura de decomposição térmica da resina. A taxa de desgaste em temperaturas moderadas não foi afetada pelo tipo de resina, indicando que ela possui uma menor importância na resistência ao desgaste de um material de atrito em condições normais de operação. No entanto, em temperaturas acima da temperatura crítica de degradação, a taxa de desgaste foi fortemente influenciada pela decomposição térmica da resina [6].     

Por estas razões, o mercado automotivo tem por hábito tratar a durabilidade, ou o desgaste de um material de atrito, principalmente em função da temperatura de serviço. Nesse contexto, existe a necessidade de desenvolver materiais de atrito com maior resistência ao desgaste para regimes de trabalho em alta temperatura. Como tratam-se de materiais compósitos, a alteração de sua composição através da adição ou remoção de determinada matéria-prima poderá afetar o seu desempenho quanto à durabilidade.

Via de regra, os materiais de atrito compósitos são fabricados com fibras (naturais e sintéticas), resinas (fenólicas e elastoméricas), cargas e modificadores de atrito [7].

As fibras possuem a função de aumentar a resistência mecânica dos materiais e também a de melhorar a dissipação térmica durante o processo de frenagem, de modo que quanto maior a dissipação, menos tempo o sistema de freio ficará exposto às altas temperaturas. Exemplos de fibras utilizadas em materiais de atrito compósitos são: fibras de vidro, fibras de celulose, fibras de aramida, fibras cerâmicas, fibras de aço e fibras de cobre [8].

No que tange às resinas, os materiais de atrito utilizam prioritariamente as resinas fenólicas, que possuem a função principal de aglomerar todas as matérias-primas e também prover resistência térmica ao material compósito [8].

As chamadas cargas possuem a função de preencher os espaços na formulação, adicionando elementos como: barita, pó de borracha, caulim, pó de reaproveitamento, dentre outros [8].

Os modificadores de atrito são igualmente importantes pois possuem a função primordial de controlar os níveis de atrito da formulação. São os responsáveis pelo aumento ou redução do nível de atrito. Aqui estão incluídos os lubrificantes (que possuem a função de reduzir o nível de atrito) e os abrasivos (que aumentam o nível de atrito) [8].

A formação e a desintegração dos platôs de contato são dependentes das propriedades do material de atrito. Fibras de aço e outros componentes estruturais e partículas abrasivas possuem uma alta resistência ao desgaste [9].

Neste trabalho será avaliado o comportamento de desgaste de um material de atrito através da adição de fibra de aço na sua composição. Será incluído um percentual de 25% em peso de fibra de aço, substituindo as cargas.

 

2    Materiais e Métodos

 

2.1       Matéria-prima

 

Para o desenvolvimento deste trabalho, foi utilizado um material de atrito da classe A – orgânicos – conforme tabela 1.

  A fabricação das amostras seguiu o processo e especificações de fabricação definidas para a formulação escolhida (as informações referentes às matérias-primas, quantidades e processos não serão publicadas devido à necessidade de sigilo). Foram fabricados dois lotes diferentes: um lote com lonas de freio sem a adição de fibra de aço na composição e um lote com a adição de fibra de aço na composição.

Foram produzidas lonas de freio na referência de mercado denominada FD/88, que possui as seguintes dimensões:

•      Raio interno: 184,7 mm

•      Raio externo: 188,9 mm

•      Largura: 177,8mm

A figura 1 ilustra a lona de freio FD/88 utilizada no ensaio.

Figura 1: Lona de freio referência FD/88.

Fonte: FRAS-LE (2020).

 

2.2       Equipamento 

 

  Para avaliação das taxas de desgaste dos materiais de atrito foi utilizado um dinamômetro inercial de freios em escala 1:1. O dinamômetro inercial simula em ambiente controlado a energia cinética de um veículo em movimento, durante o processo de frenagem. A figura 2 ilustra um dinamômetro inercial para ensaios de frenagem.

Em um dinamômetro inercial a energia cinética que pode ser armazenada depende do momento de inércia de suas massas inerciais. O momento de inércia em um dinamômetro é expresso pela equação (1), onde “m” é a massa (kg) a ser considerada e “r” é o raio do pneu a ser considerado (m).

I = ½ . m. r2                         (1)

Figura 2: Dinamômetro inercial em escala 1:1.

Fonte: FRAS-LE (2020).

 

 

2.3       Procedimento de Ensaio

 

A norma ISO26866 [11] foi utilizada para execução da matriz de frenagens responsável pelo desgaste do material de atrito.

O procedimento de ensaio conforme a norma ISO26866 define ciclos de avaliação de desgaste do material de atrito onde são realizados blocos de 500 frenagens nas temperaturas iniciais de 120°C e 180°C, e 250 frenagens nas temperaturas iniciais de 230°C, 290°C e 340°C. Cada ensaio conforme a norma ISO26866 possui duração aproximada de 200 horas. Para medição e controle da temperatura durante os ensaios, foi utilizado um termopar com resolução de 0,1 °C e incerteza de medição de 0,62 °C.

Ao final de cada ciclo de frenagens (500 ou 250 frenagens), o desgaste do material de atrito foi medido em gramas – perda de massa – utilizando-se uma balança com precisão de 0,01 g e incerteza de medição de 0,01 g. Desta forma, foi possível determinar o desgaste total em cada condição de temperatura ou ciclo no qual o material de atrito foi exposto. O desgaste final foi expresso em perda de volume, ou seja, o desgaste calculado em gramas foi dividido pela massa específica do material de atrito, resultando em volume perdido de material (cm3).

A velocidade inicial foi de 60 km/h durante a execução das frenagens, medida através de um sensor de velocidade que possui 1 rpm de resolução e 0,57 rpm de incerteza de medição.

A pressão de frenagem utilizada foi àquela necessária para atingir uma desaceleração de 3 m/s2 durante a frenagem, conforme estipulado pela norma ISO26866. Para medição e controle da pressão de frenagem, foi utilizado um transdutor de pressão com 0,01 bar de resolução e 0,006 bar de incerteza de medição. Para medição da desaceleração, é considerado o torque de frenagem como variável de controle. Ele é medido através de um sensor de torque acoplado ao dinamômetro, que possui resolução de 0,1 Nm. 

 

2.4       Parâmetros de ensaio e configuração do sistema de freio

 

Os parâmetros de ensaio estão estipulados na norma ISO26866, e estão descritos na tabela 2.

 

Tabela 2: Parâmetros utilizados no ensaio de dinamômetro.

Carga no

eixo
(kg)

Raio de Rolamento
(m)

Inércia
(kg.m2)

10000

0,527

1389

Fonte: Autores.

A configuração do sistema de freio utilizado nos ensaios está ilustrada na tabela 3.

Tabela 3: Configuração do sistema de freio.

Diâmetro do freio
(m)

Largura do freio
(m)

Comprimento do ajustador
(m)

Área da câmara de freio
(m2)

0,381

0,177

0,152

0,015

Fonte: Autores.

3.0       Resultados e Discussão

 

Foram realizados dois ensaios de dinamômetro. O primeiro ensaio realizado utilizou o material de atrito produzido sem adição da fibra de aço na sua composição.

A figura 3 ilustra os valores de desgaste em perda de volume (cm3) para o material de atrito sem adição de fibra de aço, em cada condição de temperatura testada.

Figura 3: Desgaste do material de atrito sem fibra de aço.

Fonte: Autores.

O segundo ensaio realizado utilizou material de atrito produzido com adição de fibra de aço na sua composição (25%) em substituição às cargas. A figura 4 ilustra os valores de desgaste em perda de volume (cm3) para o material de atrito com adição de fibra de aço, em cada condição de temperatura inicial testada.

Figura 4: Desgaste do material de atrito com fibra de aço.

Fonte: Autores.

 

A equação (2) representa a taxa de desgaste do material de atrito em função da temperatura para o material sem fibra de aço na composição.

Desgaste = 3,4e0,8x                   (2)

Onde “x” representa a temperatura inicial de cada frenagem.

Do mesmo modo, a equação (3) representa a taxa de desgaste do material de atrito em função da temperatura para o material com adição de fibra de aço na composição.

Desgaste = 4,6e0,5x                   (3)

A figura 5 apresenta a redução percentual da taxa de desgaste do material de atrito, em cada faixa de temperatura, após a adição de fibra de aço na sua composição.

Figura 5: Redução percentual da taxa de desgaste.

Fonte: Autores.

Após os ensaios, não foram verificados problemas relacionados à resistência mecânica do material de atrito.

As figuras 6 e 7 representam as lonas de freio após a realização dos ensaios em dinamômetro. A figura 6 apresenta as lonas sem adição de fibra de aço na composição, enquanto que a figura 7 apresenta as lonas com a composição alterada, ou seja, com adição de fibra de aço. Ambos os materiais finalizaram os ensaios apresentando-se íntegros, sem trincas ou quebras.

Figura 6: Lonas sem fibra de aço, após ensaio.

Fonte: FRAS-LE (2020).

Figura 7: Lonas com fibra de aço, após ensaio.

Fonte: FRAS-LE (2020).

 

4.0       Conclusões

 

A adição de fibra de aço na composição do material de atrito reduziu significativamente a taxa de desgaste do mesmo, especialmente a partir de 230°C. Quanto maior a temperatura inicial das frenagens, mais acentuada foi a redução da taxa de desgaste do material de atrito. Esta redução era esperada uma vez que a fibra de aço possui alta resistência ao desgaste [9].

Blau e Jolly [12] utilizaram três diferentes métodos para avaliar o desgaste de um material de atrito: teste em corpo de prova; teste com sapata de freio em escala 1:1; e por fim, teste pino-disco. Conclui-se que as diferenças no comportamento de desgaste dos materiais de atrito testados em cada um dos três diferentes métodos puderam ser parcialmente atribuídas pela forma como as camadas do detrito (partículas) de desgaste foram expelidas. Em outras palavras, de acordo com a capacidade de cada equipamento (associado ao método de avaliação) em expelir estas partículas, as taxas de desgaste puderam ser influenciadas.

O desgaste de um material de atrito pode ser avaliado através de inúmeras formas, desde ensaios em escala com corpos de prova até ensaios no sistema de freio em escala 1:1 em equipamentos como os dinamômetros inerciais.

A maioria dos resultados dos ensaios realizados seja com dinamômetro inercial de escala 1:1 ou seja com equipamento de ensaio tipo pino-disco, são equivalentes para avaliação de taxa de desgaste. A vantagem do dinamômetro reside no fato de possuir uma correlação muito próxima com o veículo em si, dado que utiliza o sistema de freio propriamente dito do veículo [13].

O aumento de durabilidade do material de atrito através da adição de fibra de aço em sua composição – especialmente em regimes de temperatura acima de 230 °C – deve ser obtido nas aplicações veiculares, uma vez que a reprodutibilidade dos resultados em dinamômetro é garantida, dada sua similaridade com o sistema de freio dos veículos.

 

Referências

[1] KCHAOU M.; SELLAMI A.; ELLEUCH R. Friction characteristics of a brake friction material under different braking conditions. Journal of Materials & Design, v. 52, p. 533–540, 2013.

 

[2] GUALBERTO A. R. M.; GATT M. C. A.; TARPANI J. R. Resistência e tolerância a impacto transversal de baixa energia de um laminado híbrido Metal/Fibra. Revista Matéria, v. 14, no. 2, p. 795–813, 2009.

 

[3] ASKELAND D. R. Ciência e engenharia dos materiais. São Paulo – SP, 2012.

 

[4] KIM S. J.; KIM K. S.; JANG H. Optimization of manufacturing parameters for a brake lining using Taguchi method. Journal of Materials Processing Technology, v. 136, p. 202–208, 2003.

 

[5] JACKO M. G.; TSANG P. H. S.; RHEE S. K. Automotive friction materials evolution during past decade. Wear, v. 100, p. 503–515, 1984.

 

[6] HONG U. S.; JUNG S. L.; CHO K. H.; CHO M. H.; KIM S. J.; JANG H. Wear mechanism of multiphase friction materials with different phenolic resin matrices. Wear, v. 266, p. 739–744, 2009.

 

[7] FRAS-LE. Manual Técnico da Linha Pesada. 2010.

Disponível em:

<http://fras-le.com/pt/downloads>. Acesso: 10 jan. 2020.

 

[8] LIMPERT R. Brake design and safety. Third Edition, SAE International, 2011.

 

[9] ERIKSSON M.; BERGMAN F.; JACOBSON S. On the nature of tribological contact in automotive brakes. Wear, v. 252, p. 26–36, 2000.

 

[10] FRAS-LE. Imagens do Laboratório de Testes. 2020.

 

[11] ISO26866: Brake lining friction materials — Standard wear test procedure for commercial vehicles with air brakes. International Organization for Standardization (ISO).

 

[12] BLAU P. J.; JOLLY B. C. Wear of truck brake lining materials using three different test methods. Wear, vol. 259, p. 1022–1030, 2008. 

 

[13] OSTERMEYER P.; AGUDELO C.; PERZBORN N. On similarities and differences of measurements on inertia dynamometer and scale testing tribometer for friction coefficient evaluation. SAE International, 2014.