Avaliação do gerenciamento de riscos em parada de manutenção em caldeira aquatubular em uma refinaria de petróleo: estudo de caso

Risk Management Assessment During Maintenance Shutdown of a Water-Tube Boiler in a Petroleum Refinery: A Case Study

 

Ighor Medeiros de Santana1  
 orcid.org/0009-0002-3774-599X
Ana Rosa B. Martins2  
 orcid.org/0000-0003-4013-3011



Eliane Maria Gorga Lago3
 orcid.org/0000-0003-0987-3492

   Amanda Marques Lopes Estolano4  
 orcid.org/0000-0002-3045-9117


1Escola Politécnica de Pernambuco, Universidade de Pernambuco, Recife, Brasil. E-mail: ighor.santana@gmail.com

 

2Núcleo de Higiene e Segurança do Trabalho, Escola Politécnica de Pernambuco, Universidade de Pernambuco, Recife, Brasil. E-mail: anarosalsht@poli.br

 

3Núcleo de Higiene e Segurança do Trabalho, Escola Politécnica de Pernambuco, Universidade de Pernambuco, Recife, Brasil. E-mail: elianelsht@poli.br

 

4Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil.

E-mail: amanda.estolano@ufpe.br

 

 

 

 

DOI: 10.25286/repa.v10i2.3159

 

Esta obra apresenta Licença Creative Commons Atribuição-Não Comercial 4.0 Internacional.

 

Como citar este artigo pela NBR 6023/2018: Ighor Medeiros de Santana; Ana Rosa B. Martins; Eliane Maria Gorga Lago; Amanda Marques Lopes Estolano. Avaliação do gerenciamento de riscos em parada de manutenção em caldeira aquatubular em uma refinaria de petróleo: estudo de caso. Revista de Engenharia e Pesquisa Aplicada, v.10, n. 2, p. 17-26, 2025.

 

 

RESUMO

 

Em indústrias de processo com produção contínua, as paradas programadas de manutenção são essenciais para garantir a confiabilidade e eficiência dos equipamentos, mas envolvem desafios significativos, especialmente em termos de segurança. Este estudo analisa o gerenciamento de riscos e os procedimentos de segurança adotados durante a parada de manutenção de uma caldeira aquatubular em uma refinaria de petróleo. A partir do acompanhamento do processo, foi possível avaliar a metodologia de gestão de riscos aplicada, identificar falhas e desvios nos procedimentos e propor melhorias. Apesar de não terem ocorrido acidentes graves, os incidentes registrados revelaram vulnerabilidades que reforçam a importância de ajustes preventivos e intervenções pontuais. O estudo demonstra que uma gestão eficaz da segurança contribui diretamente para o sucesso operacional de paradas complexas e pode fortalecer a cultura organizacional. Como resultado, foram elaboradas recomendações práticas para futuras paradas de equipamentos similares, destacando que a segurança do trabalho deve ser integrada ao planejamento estratégico e não tratada apenas como uma exigência legal.

 

PALAVRAS-CHAVE: Manutenção; caldeira; gerenciamento de riscos; segurança do trabalho.

 

ABSTRACT

 

In process industries with continuous production, scheduled maintenance shutdowns are essential to ensure equipment reliability and efficiency, but they also involve significant challenges, especially regarding safety. This study analyzes risk management and safety procedures implemented during the maintenance shutdown of a water-tube boiler in a petroleum refinery. By monitoring the process, it was possible to evaluate the risk management methodology used, identify failures and procedural deviations, and propose improvements. Although no serious accidents occurred, the recorded incidents revealed vulnerabilities, highlighting the need for preventive adjustments and targeted interventions. The study demonstrates that effective safety management contributes directly to the operational success of complex shutdowns and can strengthen organizational safety culture. As a result, practical recommendations were developed to support future shutdowns of similar equipment, emphasizing that occupational safety should be integrated into strategic planning rather than treated merely as a legal obligation.

 

KEY-WORDS: Maintenance; boiler; risk management; occupational safety.

 

 


 


1 INTRODUÇÃO

 

As refinarias de petróleo são consideradas fontes de risco de magnitude relativamente alta, o que lhes confere os maiores volumes de risco. Entretanto, as demais instalações, como, por exemplo, o transporte, o armazenamento e as unidades de produção de petróleo, estão entre média e baixa. Entende-se que as refinarias sejam consideradas dessa forma, tendo em vista que suas máquinas e equipamentos de processo, além de estarem presentes em grandes quantidades e grande diversidade de modelos, operam com parâmetros de processo normalmente elevados, havendo também para essas unidades uma característica muito forte de processo [1].

O refino do petróleo consiste em um conjunto de processos físicos e químicos com a finalidade de transformar essa matéria-prima em seus derivados. Os processos de refino podem ser divididos em quatro categorias: separação, conversão, tratamento e auxiliares básicos [2].  

A Figura 1 apresenta um esquema que facilita a compreensão dos fluxos entre as unidades de uma refinaria, ilustrando de forma simplificada a integração que existe entre os processos produtivos.

 

Figura 1 Fluxograma simplificado do processo produtivo de uma refinaria

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

Fonte: [3].

 

Dentre os equipamentos que compõem uma refinaria, estão presentes vasos de pressão, caldeiras, tubulações e tanques, equipamentos estáticos que devem seguir requisitos de segurança estabelecidos pela Norma Regulamentadora 13 – Caldeiras e Vasos de Pressão, que exige a realização periódica de inspeções externas e internas nesses equipamentos.

Considerando os equipamentos abrangidos por essa norma, o maior nível de exigência e os prazos mais curtos de inspeção se aplicam às caldeiras a vapor, isso se dá porque, historicamente, acidentes em caldeiras podem atingir níveis catastróficos. Em refinarias de petróleo, devido aos níveis de carga e pressão requisitados, em geral, são utilizadas caldeiras classificadas como aquatubulares, que possuem condições de processo e dimensões mais críticas se comparadas com as flamotubulares.

Para possibilitar a realização de inspeções internas (além das externas), é necessário interromper os processos operacionais, para que se criem condições de acessar o interior dos equipamentos a ser inspecionado, esse evento é chamado de “parada de manutenção”.

Segundo Bastos [4], uma parada de manutenção parada de manutenção é um evento crítico, devido a diversidade de atividades executadas diante da interrupção da operação de uma unidade. Tal conjuntura promove prazos desafiadores para que não haja impacto no desempenho financeiro da companhia.

Para Lenahan [5], a parada de manutenção aumenta o potencial de acidentes, condição influenciada pela quantidade atípica de atividades de manutenção a serem realizadas e a contratação de empresas prestadoras de serviço para realizar a execução das tarefas de manutenção. Com isso, vários profissionais são contratados, que mesmo sendo qualificados, não estão presentes no dia a dia da empresa e passam a estar expostos a perigos os quais, muitas vezes, eles não estão habituados, ou que não são de seu conhecimento.

Dentro desse contexto, é necessário levar em consideração que o fato de grandes equipes, que não estão habituadas aos riscos presentes numa refinaria, executará atividades com certo potencial danoso a sua saúde, e com um nível de cobrança e comprometimento compatíveis com os prazos estimados para a conclusão do escopo de serviços a serem trabalhados na parada de manutenção [5].

Neste cenário, o atual trabalho concentra-se nos principais fatores de risco, que geram condições para a ocorrência de incidentes e acidentes, e suas respectivas medidas de controle, apresentando a necessidade de um planejamento robusto das atividades em uma parada de manutenção, com um foco indispensável na segurança do trabalho.

 

2 METODOLOGIA

 

   A metodologia deste estudo baseou-se na observação direta durante a parada de manutenção de uma caldeira aquatubular em uma refinaria de petróleo. O foco foi a avaliação das medidas de controle de segurança do trabalho adotadas, a fim de propor diretrizes que assegurem a integridade física dos trabalhadores.

   Inicialmente, foram acompanhadas reuniões de planejamento com equipes multidisciplinares, nas quais se definiu o escopo das atividades. Visitas técnicas permitiram mapear os equipamentos, identificar falhas operacionais e definir as intervenções necessárias.

   Com o escopo definido, foi realizada a identificação e análise de riscos, utilizando ferramentas consagradas de gestão, como a Análise Preliminar de Risco (APR) para atividades complexas e checklists específicos para tarefas rotineiras. Para alterações de processo, utilizou-se a metodologia HAZOP (Hazard and Operability Study). A classificação dos riscos considerou sua severidade e frequência, permitindo a definição de medidas preventivas adequadas.

   A etapa seguinte envolveu o acompanhamento da implementação prática dessas medidas, incluindo treinamentos, uso de EPIs, inspeções, e execução de atividades como testes hidrostáticos e manutenção de válvulas e instrumentos.

   Por fim, foi realizada uma análise crítica dos resultados obtidos, com base em auditorias, reuniões de acompanhamento e indicadores como desvios e incidentes. Ferramentas como o Gráfico de Pareto e a Pirâmide de Desvios foram aplicadas para identificar fragilidades nos procedimentos, subsidiando sugestões de melhoria e fortalecendo a cultura de segurança da organização.

 

3 ESTUDO DE CASO

 

   A planta industrial objeto deste estudo é uma refinaria de petróleo com capacidade de processamento de aproximadamente 115 mil barris por dia, o que equivale a cerca de 18 mil m³ diários. Sua configuração básica inclui unidades de destilação atmosférica, craqueamento térmico (coqueamento retardado) e hidrotratamento de derivados.

   Além das unidades principais, a refinaria conta com diversas unidades auxiliares, responsáveis por processos como geração de hidrogênio, tratamento com MDEA (metildietanolamina), tratamento cáustico e tratamento de águas ácidas. Também estão presentes unidades de utilidades e armazenamento, compostas por estações de tratamento de água e efluentes, subestações elétricas, casa de força, torres de resfriamento, central de ar comprimido, parques de tanques e esferas.

   A operação integrada dessas unidades, em regime contínuo e de alta complexidade, implica a presença de múltiplos riscos, oriundos de diversas fontes. Destaca-se que falhas em uma única unidade podem comprometer toda a cadeia produtiva, caso não sejam gerenciadas de forma eficaz. Além disso, a variedade de substâncias químicas envolvidas em cada processo exige atenção redobrada quanto à segurança operacional.      Acidentes de grande porte, como vazamentos ou explosões, podem gerar impactos que extrapolam os limites da planta, reforçando a necessidade de rigorosos controles de risco em todas as atividades realizadas no local.

   O objeto de estudo deste trabalho é a Caldeira B, com realização de parada de manutenção periódica em atendimento aos requisitos de prazo exigidos pela NR-13. A Caldeira B é do tipo aquatubular, fabricada em 2011 e com início de operação em 2015. Possui capacidade nominal de 400t/h de vapor, produzido numa pressão de 121,55kgf/cm² e temperatura de 520°C. Sua produção de vapor pode variar de 50% a 110% de sua capacidade nominal.

   Esta é uma caldeira de grandes proporções, mesmo se comparada a outras caldeiras aquatubulares, como visto na Figura 16. Com 19 metros de altura, 8,7 metros de profundidade e 9,6 metros de largura, sua câmara de combustão possui 1536m³ de volume e superfície aquecida para troca térmica de 720m² de parede de tubos. Somando o volume de todos os componentes que são preenchidos por água e vapor, tem-se o total de 157m³.

   A caldeira B pode operar com 9 queimadores, com flexibilidade para o uso de óleo ou gás combustível. O ar para a queima é fornecido por um ventilador de fluxo radial, onde este ar é previamente aquecido em um pré-aquecedor de ar com tubos haletados, o que garante uma melhor eficiência térmica na combustão. Opera sob pressão negativa na câmara de combustão, sua ventilação é do tipo forçada e possui três passes verticais, como é possível visualizar na Figura 2. Sendo esses passes constituídos por câmara de combustão, superaquecedores e economizadores.

   Após os gases percorrerem os três passes, passam por um precipitador eletrostático, que tem a função de retirar as cinzas presentes no fluxo e são lançados na atmosfera através de uma chaminé, de 83,5m de altura e 5,0m de diâmetro, que é comum às duas caldeiras.

   O sistema de pressão da caldeira é protegido por três válvulas de segurança e alívio e têm como função assegurar que a pressão interna da caldeira e suas tubulações não ultrapassem as respectivas pressões de projeto, sendo duas instaladas no tubulão, e uma na tubulação de saída de vapor.

Toda a caldeira e seus acessórios são equipados com isolamento térmico, que consiste em camadas de lã mineral, para que a temperatura superficial não ultrapasse 60°C. Tijolos refratários são utilizados apenas nas regiões dos queimadores, bocas de visita e janelas de inspeção e toda a caldeira são cobertas por chapas galvanizadas.

   Para permitir o melhor controle de variáveis, há um sistema que analisa de forma online alguns parâmetros dos fluxos da água de alimentação, da purga e do vapor no interior da caldeira, como pH, condutividade, entre outros.

   Após a abordagem da caldeira B e seus componentes, será tratada a parada de manutenção com propriedade dos atributos e componentes que integram o equipamento.

 

Figura 2 Desenho esquemático dos 3 passes verticais da Caldeira B

Fonte: Os Autores.

 

3.1 PARADA DE MANUTENÇÃO

 

   A parada de manutenção da Caldeira B foi executada em conformidade com o intervalo máximo de 30 meses estabelecido pela Norma Regulamentadora nº 13 (NR-13), cujo principal objetivo é garantir a integridade do equipamento e a segurança operacional durante a próxima campanha. O foco da intervenção esteve nas inspeções internas e externas obrigatórias, essenciais para a avaliação das condições estruturais e operacionais da caldeira.

   Além das inspeções, o escopo da parada incluiu atividades de manutenção preventiva, corretiva e a execução de projetos de melhoria. Os serviços contemplaram diversas disciplinas técnicas, como caldeiraria, elétrica, instrumentação e equipamentos dinâmicos, garantindo uma abordagem multidisciplinar e integrada.

   O cronograma da parada foi estruturado para um período total de 75 dias. Desse total, 20 dias foram destinados à fase de preparação, com foco na pré-montagem de estruturas de acesso, especialmente andaimes. Em seguida, foram previstos 45 dias de intervenção direta, sendo 2 dias para parada operacional, 40 dias dedicados às atividades de manutenção e inspeção, e 3 dias para a retomada operacional da caldeira. Por fim, os 10 dias restantes foram reservados para a fase de pós-parada, voltada à recomposição das condições da unidade, com execução de serviços que não exigem a indisponibilidade do equipamento.

   Para atender à demanda de um evento dessa magnitude, foi contratada uma empresa especializada em manutenção industrial, com atuação exclusiva na parada da Caldeira B. Durante o pico das atividades, o quadro de profissionais chegou a 81 colaboradores, entre mão de obra direta e indireta. Boa parte desses trabalhadores não possuía familiaridade prévia com a unidade ou com o equipamento, o que exigiu rigor na aplicação dos protocolos de segurança e qualidade definidos pela refinaria contratante.

   O sucesso da parada da Caldeira B reflete o planejamento detalhado, a coordenação eficiente entre as áreas envolvidas e o comprometimento com os requisitos legais e operacionais que regem a integridade de caldeiras em unidades industriais de grande porte.

 

4 RESULTADOS

 

4.1 PLANEJAMENTO DE SEGURANÇA, SAÚDE E MEIO AMBIENTE

 

   Durante as diversas fases da parada de manutenção, foi possível observar a atuação integrada de equipes multidisciplinares. Essa abordagem, além de agregar conhecimentos de diferentes áreas, favoreceu uma maior sinergia entre os profissionais envolvidos e fortaleceu o comprometimento coletivo com as ações voltadas à segurança.

   A identificação prévia das principais atividades do escopo, aliada à realização antecipada de análises de riscos, permitiu direcionar com clareza os esforços nas frentes mais críticas, como o uso de ferramentas de gerenciamento de risco, demandas logísticas e definição de requisitos contratuais. Esse planejamento antecipado contribuiu para estabelecer especificações bem definidas às empresas contratadas, além de orientar a atuação dos fiscais responsáveis pelo acompanhamento das atividades.

   Apesar desse planejamento estruturado, a refinaria enfrentou dificuldades no processo de contratação das empresas executoras, o que gerou atrasos na mobilização das equipes. Essa situação comprometeu o tempo disponível para a preparação adequada e a familiarização com o escopo, além de dificultar a alocação de profissionais habilitados para determinadas funções.

   Conforme apontado por estudos na área de gestão de paradas industriais, atrasos em etapas iniciais tendem a comprometer a eficiência das fases subsequentes. Isso pode resultar na supressão de etapas preparatórias essenciais, gerando impactos negativos na integração das equipes e na eficácia das medidas de segurança.

   Em síntese, o atraso na contratação das empresas executoras limitou sua participação no planejamento da parada, reduzindo a compreensão aprofundada dos riscos envolvidos. Essa limitação afetou também a organização logística, refletindo-se na entrega de ferramentas, equipamentos e EPIs, o que acabou interferindo diretamente no início das atividades previstas.

 

4.2 TREINAMENTO E INTEGRAÇÃO DAS EQUIPES

 

Ao contrário do que ocorreu na etapa de planejamento, não foram observadas falhas no cumprimento dos treinamentos obrigatórios. Todos os requisitos previstos para a capacitação, sob responsabilidade da refinaria, foram devidamente atendidos. No entanto, o curto intervalo entre a mobilização da equipe contratada e o início das atividades impactou negativamente o tempo disponível para integração dos profissionais.

Esse cenário foi influenciado pelos custos envolvidos na contratação, que, somados à análise curricular, indicaram que parte dos trabalhadores possuía experiência limitada em paradas de manutenção. Tal condição refletiu diretamente na percepção geral de segurança durante o evento.

Durante o acompanhamento das capacitações, foi possível constatar que, apesar da boa estrutura e qualidade dos treinamentos, a abordagem relacionada a riscos e perigos apresentava caráter genérico, sem conexão direta com as particularidades do escopo da parada. Como os conteúdos já seguiam materiais padronizados, não houve uma adaptação para a realidade específica do evento, o que poderia ter potencializado o aprendizado prático.

Por outro lado, aspectos relacionados à cultura de segurança e conscientização foram bem trabalhados desde os primeiros treinamentos. Diante do tempo reduzido, optou-se por reforçar de forma objetiva fundamentos essenciais, como o uso correto de EPIs, postura segura, organização e limpeza das frentes de trabalho. Isso permitiu a criação de um ambiente com maior senso de responsabilidade individual na prevenção de acidentes.

 

4.3 SIMULADO DE EMERGÊNCIA

 

   O simulado de emergência foi realizado na primeira semana da parada, de forma previamente programada, com o objetivo de preparar as equipes para uma eventual evacuação sem pânico ou desorganização.

Ao soar o alarme, todos os profissionais envolvidos foram orientados a ajustar suas rádios para a frequência dedicada às emergências. Os técnicos de segurança, com apoio de supervisores e fiscais, coordenaram a evacuação da área. As atividades foram interrompidas, máquinas desligadas e os trabalhadores se deslocaram até o ponto de encontro, conforme indicado nos murais da área da caldeira.

   O técnico da contratante, atuando como líder de abandono, realizou a contagem dos profissionais e, após breves orientações, conduziu o grupo até o ponto de encontro final, conforme o plano de contingência. A conclusão do simulado incluiu a apresentação dos resultados observados, tempo de resposta e avaliação da conduta das equipes.

Embora tenha sido uma ação programada, o exercício foi eficaz na consolidação dos conhecimentos e procedimentos de emergência, permitindo que os envolvidos vivenciassem na prática uma situação simulada de risco.

 

4.3 PROCEDIMENTOS E MEDIDAS DE CONTROLE

 

   A aplicação de procedimentos e medidas de controle durante a parada se revelou um dos principais desafios. O planejamento e o conjunto de normas internas da refinaria foram fundamentais para orientar a execução segura dos serviços. Contudo, por questões contratuais, a maior parte dos procedimentos não pôde ser divulgada integralmente, com exceção de alguns modelos apresentados em anexo.

   Durante a reunião de análise crítica, foi destacada a limitação técnica da empresa contratada, cuja experiência estava mais voltada a projetos de construção e montagem do que a eventos de parada. Essa diferença de perfil resultou em dificuldades na assimilação dos riscos operacionais e na correta aplicação dos procedimentos estabelecidos.

   O tempo reduzido de mobilização também dificultou a contratação de profissionais plenamente qualificados. A recusa de currículos para manter o padrão técnico poderia atrasar o início das atividades, gerando impacto nos prazos exigidos pela NR-13 e no cronograma geral. Isso levou a uma flexibilização nos critérios de contratação, o que, embora necessário, trouxe consequências na execução.

   A contratada era responsável por fornecer materiais e ferramentas, mas a falta de experiência gerou atrasos e problemas relacionados à qualidade e adequação dos equipamentos. Foram identificadas falhas como o fornecimento de ferramentas de torque ("Hytorc") com capacidade insuficiente, lixadeiras e esmerilhadeiras fora das especificações de segurança e equipamentos elétricos não certificados para atmosferas explosivas.

Essas inadequações não só atrasaram os serviços, como também colocaram os trabalhadores em risco.   Em um dos casos, um disco de lixadeira especificado incorretamente ocasionou um incidente com alto potencial de dano, evidenciando como desvios — mesmo pontuais — podem se transformar em causas raiz de acidentes.

   A fiscalização e os técnicos de segurança também constataram desconhecimento por parte das equipes executoras quanto aos procedimentos. As justificativas incluíam o excesso de informações nos materiais, dificuldades de compreensão e ausência de aplicabilidade prática nos documentos. Mesmo com uma estrutura formal de segurança bem estabelecida, a natureza dinâmica e de curta duração de uma parada exige métodos mais objetivos e adaptados à realidade do campo.

   Portanto, tal como observado nos treinamentos, é necessário adequar os procedimentos à dinâmica das paradas de manutenção. A experiência mostrou que documentos extensos e pouco contextualizados tendem a ser ignorados, o que compromete a eficácia das boas práticas de segurança.

 

4.4 AUDITORIAS, DESVIOS E ACIDENTES

 

   Para o controle de desvios e acompanhamento das práticas de segurança, foi utilizado um sistema estruturado de auditorias, com definição de metas e frequência de fiscalizações. O foco dessas auditorias estava voltado para a identificação das causas dos desvios, permitindo a atuação preventiva antes da materialização de incidentes.

   A eficácia do modelo adotado teve como base a construção de um ambiente de confiança entre executantes e lideranças. O diálogo aberto, aliado ao reconhecimento de condutas seguras, contribuiu para o fortalecimento da cultura de segurança.

   Durante a parada, além das inspeções diárias realizadas pelas equipes de segurança e fiscalização, foram conduzidas 81 auditorias comportamentais, 30 auditorias de Permissão de Trabalho (PT) e 12 auditorias do tipo LIBRA. Essas ações foram distribuídas entre diferentes grupos — Comitê de Segurança, CIPA, fiscais, técnicos e gerências — promovendo uma leitura ampla das situações e maior engajamento dos diversos setores da organização.

Essa participação coletiva reforçou a ideia de que a segurança não é responsabilidade exclusiva de uma área, mas um compromisso compartilhado por todos os envolvidos na execução dos trabalhos.

   O resultado das auditorias, os desvios verificados foram classificados em categorias, como demostrado na Figura 3 e registrados no sistema eletrônico de controle. Ficou constatado que a categoria de desvios que apresentou uma maior quantidade de eventos foi “procedimentos não seguidos”, refletindo condição relatada anteriormente, a qual as equipes executoras não seguiam etapas e exigências determinadas em procedimentos. Circunstância ocasionada pela falta de experiência dos profissionais em parada de manutenção, e pelo curto espaço de tempo para absorver procedimentos e medidas de controle complexas. Tais dificuldades geraram em muitas situações um atraso na liberação das atividades, e consequente impacto no cronograma de parada.

 

Figura 3 Desenho esquemático dos 3 passes verticais da Caldeira B

Gráfico

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Os Autores.

 

   Foi constatado que a categoria de desvios que apresentou uma maior quantidade de eventos foi “procedimentos não seguidos”, refletindo condição relatada anteriormente, a qual as equipes executoras não seguiam etapas e exigências determinadas em procedimentos. Circunstância ocasionada pela falta de experiência dos profissionais em parada de manutenção, e pelo curto espaço de tempo para absorver procedimentos e medidas de controle complexas.   Tais dificuldades geraram em muitas situações um atraso na liberação das atividades, e consequente impacto no cronograma de parada.

   Através do gráfico de Pareto, apresentado na Figura 4, é identificado que aproximadamente 70% dos desvios praticados envolviam, além de procedimentos não seguidos, desvios relativos à local desorganizado e uso incorreto de EPI’s.    Permitindo, dessa forma um melhor direcionamento das ações corretivas e de temas abordados em reuniões.

 

 

 

 

 

 

Figura 4 Desenho esquemático dos 3 passes verticais da Caldeira B

Gráfico, Histograma

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Os Autores.

 

   O uso incorreto de EPI’s, apesar de não ter sido identificado como causa raiz de nenhum incidente, em longo prazo, pode deixar de prevenir doenças ocupacionais. Envolveu principalmente situações em que foram percebidos óculos de proteção fora do rosto e protetores auriculares fora do ouvido, cintos de segurança não ajustados ou torcidos, luvas descalçadas, entre outros, o que tornava o equipamento de proteção ineficaz.

 

4.5 RECOMENDAÇÕES PARA UMA PARADA DE MANUTENÇÃO SEGURA

 

   Estas recomendações devem ser adaptadas à estrutura organizacional e à realidade da empresa em questão. Disto isto, segue propostas de diretrizes abaixo:

 

1.    Planejamento antecipado e detalhado: iniciar o planejamento da parada de manutenção com antecedência adequada, considerando a duração total da campanha de produção, sugere-se, com base na experiência adquirida e literatura, que a definição do escopo se inicie com dois terços do período de campanha, abrangendo as recomendações contidas nos relatórios de inspeção da última parada do equipamento e novas necessidades indicadas pelas equipes de operadores da planta. Essa antecipação permite procedimentos mais precisos na análise de riscos, e uma redução dos custos logísticos na compra de materiais e contratação de serviços.

2.    Formação de equipe multidisciplinar: compor equipe de planejamento de parada integrada por profissionais de diferentes especialidades, com a atribuição de estabelecer as diretrizes e parâmetros do evento. Deve-se evitar a substituição dos membros da equipe, especialmente na proximidade do evento, para que estes possam coordenar a parada de manutenção com propriedade das atividades a serem executadas, reduzindo divergências em relação ao planejamento.

3.    Ferramentas de gerenciamento de risco: Fazer uso de ferramentas de gerenciamento de riscos adequadas à realidade da empresa e das atividades de manutenção desenvolvidas na parada. Garantir que a equipe envolvida tenha treinamento adequado para aplicação de ferramentas, como APR, HAZOP, FMEA, Checklist etc.

4.    Estabelecimento e revisão de procedimentos: Basear os procedimentos de execução nos riscos identificados, devendo estar adequados aos serviços em escopo e assegurando conformidade com normas regulamentadoras, incorporando aprendizados prévios em sua elaboração. Criar fluxos de trabalho claros, com revisões regulares e atualizações necessárias antes do início da execução.

5.    Estabelecer um cronograma detalhado:  um cronograma contemplando todas as fases da parada de manutenção e as interdependências entre as tarefas permite a visualização clara dos requisitos, prazos e custos necessários para a realização das atividades propostas e contratação de serviços que viabilizem sua execução.

6.    Critérios de contratação: Definir critérios e requisitos claros para a contratação de empresas prestadoras de serviço, considerando experiência técnica, conformidade legal, capacidade de mobilização, e histórico de segurança. Vale ressaltar que uma redução de custos, que forneça margem para haver prejuízo na qualificação da mão de obra, tanto direta quanto indireta, amplia a possibilidade de acidentes, atrasos na mobilização e perda de prazos, condições que resultam num maior dispêndio financeiro ao final.

7.    Reunião inicial e integração: Promover reunião inicial com empresas contratadas, apresentando detalhadamente o planejamento da parada de manutenção, prazos para a mobilização de recursos. As equipes de coordenação, planejamento e supervisão devem ser integradas antecipadamente, para esclarecer responsabilidades e alinhar ações quanto à execução das atividades.

8.    Critérios de segurança: apresentar e revisar, junto às prestadoras de serviço, os procedimentos de segurança fundamentados em normativas aplicáveis e cultura de segurança da empresa contratante. Para os principais riscos associados a uma parada de manutenção, pode-se tomar como base as principais normas utilizadas:

·         Espaço Confinado – NR-33, NBR 16577, OSHA 29 CFR 1910.146, entre outras;

·         Trabalho em Altura – NR-35, NBR 16489, EN795, OSHA 1926.750, entre outras;

·         Trabalhos a quente/Soldagem - AWS 3.0, ABNT NBR IEC 60079, ISO 15614, API STD 1104, entre outras;

·         Movimentação de Carga – NR-11, ABNT NBR 4309, DIN EN 12195-3, entre outras; 

9.    Workshop Interno: realizar workshops para equipes de colaboradores internos. Durante a execução da parada de manutenção, além da equipe que se envolveu no planejamento do evento, outros colaboradores participam ativamente das atividades, portanto, há a necessidade de apresentar diretrizes traçadas, o escopo de serviços, princípios de segurança, estudos de caso e revisão de procedimentos, reforçando a cultura de segurança interna através de debates e participação ativa dos profissionais.

10. Treinamentos para equipes de colaboradores contratados: Elaborar e promover treinamentos específicos para as atividades de maior risco que estejam adequados às principais atividades relacionadas ao evento. Assim como proporcionar ambientação inicial, abrangendo temas tratados em suas campanhas de segurança, discussão de colos e situações emergenciais. A título de exemplo, os treinamentos devem estar associados à riscos e procedimentos decorrentes de serviços em espaços confinados, trabalhos em altura, soldagem, movimentação de carga, entre outros.

11. Medidas de controle e fiscalização: Implementar medidas de controle e segurança baseadas nas normas de segurança e procedimentos estabelecidos. Fiscalizar a correta execução através de inspeções regulares para verificar a correta especificação de materiais por parte da contratada.

12. Simulado de abandono de emergência: Realizar simulado, preferencialmente após a mobilização da maior parte do efetivo previsto. Garantir que o procedimento de evacuação esteja bem esclarecido para uma melhor execução da atividade e revisar planos de contingência conforme os resultados observados.

13. Rotina de conscientização e campanhas de segurança: Implementar a realização de Diálogos Diários de Segurança (DDS), focados em temas que possuam relevância para as atividades a serem realizadas no dia, nos principais desvios identificados, e dificuldades apresentadas pelos colaboradores, garantindo a participação ativa das equipes, reforçando comportamentos seguros. Expor em quadros de avisos e banners, princípios e alertas que mantenham a cultura de segurança presentes no cotidiano dos trabalhadores.

14. Acompanhamento e auditorias: Realizar acompanhamento das medidas de controle através de auditorias e inspeções, baseadas na relação de confiança, diálogo e troca de conhecimentos.  Nas abordagens, é recomendável elogiar os comportamentos seguros observados, buscar o entendimento mútuo quanto às possíveis consequências de desvios, a concordância dos executantes quanto à adoção de práticas seguras de trabalho e a correção imediata dos desvios identificados através de sugestões.

15. Reuniões Periódicas: Realizar reuniões regulares durante a parada de manutenção com a participação de gerentes, fiscais, coordenadores e supervisores, no intuito de tratar de situações ocorridas e resultados das auditorias e inspeções. Avaliar os dados obtidos para ajustar o planejamento, adequando medidas corretivas a serem efetuadas no decorrer da parada.

16. Workshop de Encerramento: realizar, ao término da parada de manutenção, um workshop de encerramento, avaliando os pontos positivos e pontos a melhorar que foram identificados de decorrer de todas as fases da parada de manutenção. Com base nos resultados obtidos, padronizar as boas práticas identificadas e documentar as lições aprendidas, formando um ciclo de desenvolvimento nos padrões de segurança do trabalho da empresa.

 

5 CONCLUSÕES

 

   Diante do detalhamento minucioso das práticas de segurança e gerenciamento de riscos implementados durante a parada de manutenção na refinaria, os resultados obtidos evidenciam tanto os avanços quanto os desafios ainda presentes na prevenção de acidentes e na proteção dos trabalhadores no ambiente laboral. A análise crítica revelou tanto os aspectos positivos das estratégias adotadas quanto as oportunidades de melhoria, demonstrando a importância de um ciclo contínuo de avaliação e aperfeiçoamento.

   A gestão eficaz de SMS (Segurança, Meio Ambiente e Saúde) demonstrou ser um alicerce indispensável para operações seguras, composta pela integração de diretrizes corporativas, normas regulamentadoras e práticas técnicas. A aplicação de medidas como análise de riscos, simulados de emergência e auditorias regulares desempenham um papel determinante na mitigação de incidentes. Porém, também ficou claro que o sucesso dessas práticas depende diretamente de uma integração efetiva entre planejamento estratégico, comprometimento organizacional e engajamento dos colaboradores.

   O planejamento detalhado e a identificação de perigos possibilitaram a aplicação de medidas preventivas eficazes. Apesar disso, alterações tardias no escopo de serviço e atrasos em ações colaborativas geraram imprevisibilidades que comprometeram a organização e prevenção de incidentes no período. A ocorrência de incidentes, ainda que sem danos ou lesões significativas, reforça a necessidade de atenção constante, pois mesmo pequenas falhas podem escalar rapidamente para acidentes graves, impactando não apenas a segurança dos trabalhadores, mas também a continuidade operacional e os custos do projeto.

   A manutenção de colaboradores próprios, por exemplo, foi apontada como uma prática que potencializou os resultados devido ao maior domínio técnico das atividades e maior engajamento no projeto desde sua fase inicial. Esse fator reduziu custos e riscos de desorganização, embora ainda tenha sido identificado como um ponto de atenção em situações pontuais.

   Apesar do curto período para alcançar uma cultura de segurança junto às empresas contratadas, a promoção de treinamentos, reuniões periódicas e análises dos resultados das auditorias foi um ponto de destaque observado. A identificação ágil de desvios e intervenção eficaz nos casos de incidentes proporcionou oportunidade para melhorias contínuas, reforçando a importância da aprendizagem organizacional e da adaptação constante às condições do ambiente de trabalho.

   Por outro lado, o estudo evidenciou desafios importantes, como a necessidade de maior rigor na seleção e qualificação de empresas contratadas e de sua mão de obra, garantindo o alinhamento aos pré-requisitos estabelecidos. Além disso, a gestão de materiais críticos e a infraestrutura disponível foram temas recorrentes nas discussões, ressaltando a importância de ações preventivas, como compras antecipadas e melhorias estruturais para subsidiar eventos futuros.

   As impressões pessoais sobre o caso estudado reforçam a percepção de que, apesar dos avanços alcançados, a segurança do trabalho deve ser encarada como um processo dinâmico e sujeito a ajustes constantes. A promoção de maior participação dos envolvidos em reuniões e workshops é um aspecto que deve ser reforçado para gerar a multiplicação de conhecimentos e a consolidação de lições aprendidas.

   Por fim, as recomendações propostas ao término do estudo de caso não apenas consolidam boas práticas existentes, mas também apontam para a necessidade de maior estudo e comprometimento dos envolvidos no planejamento e execução de uma parada programada de manutenção. Tais medidas buscam evidenciar que a segurança do trabalho não é apenas uma obrigação legal, mas sim um valor essencial que requer o engajamento e a responsabilidade de todos os envolvidos, reforçando o compromisso com a integridade física e mental dos trabalhadores, além da continuidade operacional responsável.

 

REFERÊNCIAS

 

[1] JORDÃO, Dácio M.; FRANCO, Luciano R. Curso de formação de operadores de refinaria: prevenção contra explosões e outros riscos. Curitiba: Petrobras e UnicenP, 2002.

 

[2] BARQUETTE, André V. Avaliação da Melhor Localização do Sistema de Mistura em Linha de Diesel da REDUC. 2008. 14 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

 

[3] FARIAS, Daniel O. de. Avaliação quantitativa de risco de uma refinaria de petróleo. 2010. 109 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2010.

 

[4] Planejamento de paradas de manutenção. Techoje, 2012. Disponível em: https://web.archive.org/web/20120207111843/https://ietec.com.br/site/techoje/categoria/detalhe_artigo/1194. Acesso em: 13 fev. 2025.

 

[5] LENAHAN, Tom. Turnaround Shutdown and Outage Management. Burlington: Editora Elsevier, 2005.