Projeto de um condomínio social no município de Belo Horizonte segundo diretivas de eficiência energética e conforto ambiental

 

Project for a social condominium in the city of Belo Horizonte according to energy efficiency and environmental comfort guidelines

 

Liliane Cruz Gomes de Souza Santos1  
 orcid.org/0000-0002-8597-3703 



Aniel de Melo Dias2 
 orcid.org/0000-0003-2536-7362 

Paula Nosseis Souza Santos3
 orcid.org/0009-0004-5876-537X

 

 

1 Centro Universitário Estácio de Sá de Belo Horizonte, Belo Horizonte, Brasil. E-mail: lilianecruzbh@gmail.com

 

2 Centro Universitário Estácio de Sá de Belo Horizonte, Belo Horizonte, Brasil. E-mail: anieldias@gmail.com

 

3Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil. E-mail: paulanosseis@hotmail.com

 

 

 

DOI: 10.25286/repa.v9i4.2736

 

Esta obra apresenta Licença Creative Commons Atribuição-Não Comercial 4.0 Internacional.

 

Como citar este artigo pela NBR 6023/2018: Liliane Cruz Gomes de Souza Santos; Aniel de Melo Dias; Paula Nosseis Souza Santos. Projeto de um condomínio social no município de Belo Horizonte segundo diretivas de eficiência energética e conforto ambiental. Revista de Engenharia e Pesquisa Aplicada, v.9, n. 4, p. 11-22, 2024.

 

 

 

RESUMO

 

A qualidade da moradia interfere diretamente nas vidas dos habitantes, influenciando saúde, conforto, bem-estar e qualidade de vida. Projetos e construções bem planejados, com foco na eficiência energética, podem melhorar a saúde dos moradores e gerar economia a longo prazo. Este estudo desenvolveu o projeto de um condomínio social, levando em consideração a arquitetura bioclimática e soluções ecoeficientes. As intervenções arquitetônicas propostas visam melhorar o conforto ambiental nas residências e reduzir significativamente o consumo de água potável, energia e emissão de CO2.

 

PALAVRAS-CHAVE: Eficiência energética, Conforto ambiental, Engenharia civil, Sustentabilidade.

 

ABSTRACT

 

The quality of housing directly interferes with the lives of inhabitants, influencing health, comfort, well-being and quality of life. Well-planned projects and constructions, with a focus on energy efficiency, can improve the health of residents and generate long-term savings. This study developed the project of a social condominium, taking into account bioclimatic architecture and eco-efficient solutions. The architectural interventions aim to improve environmental comfort in homes and significantly reduce the consumption of drinking water, energy and CO2 emissions.

 

KEY-WORDS: Energy efficiency, Environmental comfort, Civil engineering, Sustainability.

 


 


1 INTRODUÇÃO

 

A crescente preocupação com a sustentabilidade ambiental e a busca por soluções para mitigar os impactos negativos da urbanização têm impulsionado o desenvolvimento de projetos arquitetônicos inovadores. O planejamento urbano sustentável tornou-se uma prioridade global, e os condomínios ecoeficientes surgem como uma resposta promissora para atender a essa demanda. Esses empreendimentos residenciais, caracterizados por sua abordagem holística de eficiência energética, gestão de resíduos, uso consciente da água e integração com a natureza, representam um avanço significativo na construção de ambientes urbanos mais sustentáveis [1].

A urgência em abordar as questões relacionadas ao desenvolvimento urbano sustentável se reflete nas projeções de crescimento populacional nas áreas urbanas, que indicam um aumento substancial na demanda por habitação nas próximas décadas [2]. Nesse cenário, a concepção e implementação de condomínios ecoeficientes tornam-se cruciais para promover uma transição efetiva para cidades mais sustentáveis e resilientes ao clima. Além disso, é importante considerar as mudanças climáticas e os desafios associados, como eventos climáticos extremos e escassez de recursos, que destacam a necessidade de abordagens de construção e design mais sustentáveis [3].

Neste trabalho, o objetivo é apresentar o desenvolvimento de um condomínio social situado em Venda Nova, Belo Horizonte, que utiliza diretrizes de conforto ambiental e eficiência energética. O projeto é comparado com os modelos usuais do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), demonstrando como pequenas intervenções podem gerar resultados significativos em termos de sustentabilidade e conforto térmico.

 

2 REVISAO TEÓRICA

 

2.1 ECOEFICIÊNCIA

 

Ecoeficiência é um termo que foi introduzido oficialmente durante a Conferência Rio-92, como uma forma das organizações implementarem a Agenda 21 no setor privado. Segundo a World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), a ecoeficiência pode ser definida como o emprego racional de matérias-primas e energia, aliadas ao desempenho econômico e social, de forma a reduzir os impactos ambientais [4].

Pode-se considerar três dimensões essenciais envolvidas na ecoeficiência: a dimensão econômica, a dimensão sociocultural e a dimensão ambiental. A promoção da sustentabilidade ambiental envolve a adoção de práticas que visam mitigar as mudanças climáticas, reduzir a poluição, preservar os habitats naturais e promover o uso responsável dos recursos naturais, garantindo assim um planeta saudável para as gerações futuras [5]. Em relação a sustentabilidade econômica, de acordo com Sachs [6], envolve a adoção de práticas empresariais responsáveis, que considerem não apenas o lucro, mas também o impacto social e ambiental das atividades comerciais, contribuindo para uma economia mais estável e resiliente. No que se refere ao aspecto social, se destaca o respeito ao aos direitos humanos, a diversidade cultural e a promoção de comunidades seguras e saudáveis. Ao considerar a dimensão social da sustentabilidade, busca-se assegurar que todos os membros da sociedade possam desfrutar de uma vida digna e de oportunidades para prosperar [7].

 

2.1.1 Ecoeficiência na construção civil

A busca por práticas sustentáveis na construção civil tem se tornado cada vez mais relevante na atualidade, considerando os desafios ambientais globais. Nesse contexto, a ecoeficiência emerge como um conceito fundamental para avaliar e aprimorar o desempenho ambiental das atividades construtivas. De acordo com Vieira [8], a ecoeficiência envolve a minimização dos impactos ambientais por meio da otimização dos recursos naturais e da redução dos resíduos gerados durante o ciclo de vida de uma edificação. Isso inclui a seleção de materiais de construção sustentáveis, a gestão eficaz de água e energia, bem como a adoção de estratégias para reduzir as emissões de carbono associadas à construção e operação de edifícios.         

A ecoeficiência na construção civil não se limita apenas a benefícios ambientais, ela também apresenta vantagens econômicas significativas. De acordo com a pesquisa de Goubran [9], a implementação de práticas ecoeficientes pode resultar em economias substanciais de custos ao longo do ciclo de vida de um empreendimento. Isso ocorre devido à redução do consumo de recursos, ao aumento da eficiência operacional e à minimização de desperdícios. Além disso, a adoção de padrões ecoeficientes pode aumentar a competitividade das empresas da construção civil, uma vez que atendem à crescente demanda por edificações sustentáveis.

Além do ambiente natural e a economia, a ecoeficiência na construção civil também desempenha um papel fundamental na melhoria das condições sociais. Conforme destacado por Ho [10], a promoção de práticas ecoeficientes na construção civil pode contribuir para a criação de ambientes mais saudáveis e seguros para os trabalhadores da indústria, bem como para os futuros ocupantes das edificações. Além disso, a adoção de políticas de construção sustentável pode fomentar a inovação e a capacitação da mão de obra, gerando empregos e fortalecendo a economia local.         

A ecoeficiência pode ser mensurada através de indicadores que servirão como parâmetros de sustentabilidade para as obras. Eles podem ser classificados como de aplicação genérica – que podem ser utilizados em quase todo tipo de negócio, e os específicos, que fornecem diretrizes e orientações específicas às empresas para a seleção dos indicadores do negócio, orientando a implementação e a comunicação [4].

 

2.1.2 Norma de desempenho (NBR 15575)

Em junho de 2013, foi publicada a norma de desempenho ABNT NBR 15575, segundo a qual a construção habitacional passa a ter uma nova maneira de especificação e elaboração de projetos, o que inclui o conhecimento do comportamento em uso dos inúmeros materiais, componentes, elementos e sistemas construtivos que compõem a edificação [11]. Segundo a norma, os requisitos dos usuários devem ser atendidos de forma a promover segurança, habitabilidade e sustentabilidade, havendo, para cada um desses tópicos, solicitações particulares.

Para a segurança, foram incluídos fatores como: segurança estrutural, segurança contra o fogo e segurança no uso e na operação. Em relação à habitabilidade: estanqueidade, desempenho térmico e acústico, desempenho lumínico, saúde, higiene e qualidade do ar, funcionalidade e acessibilidade, conforto tátil e antropodinâmico. Por sim, considerando a sustentabilidade, os fatores inclusos foram: durabilidade, manutenibilidade e impacto ambiental [12].

 

2.2 PROJETO BIOCLIMÁTICO

 

O projeto bioclimático, também conhecido como arquitetura bioclimática, é uma abordagem fundamental no campo da arquitetura e do design de edifícios, que visa otimizar o uso dos recursos naturais para alcançar um ambiente interno confortável e eficiente. Segundo Pellegrino [13], o projeto bioclimático é baseado no entendimento das condições climáticas locais, considerando fatores como ventilação, insolação e temperatura para criar edifícios que respondam de forma eficaz às variações do clima. Essa abordagem não apenas reduz o consumo de energia para aquecimento e resfriamento, mas também promove a sustentabilidade ao minimizar o impacto ambiental das construções.

A bioclimatologia e a climatologia fornecem dados que possibilitam projetar edificações, em um contexto regionalista e eficiente em termos de conforto humano e consumo de energia. A NBR 15220:2005 - Desempenho Térmico em Edificações apresenta recomendações quanto ao desempenho térmico de habitações unifamiliares e de interesse social aplicáveis na fase de projeto [14]. A norma foi desenvolvida através da Carta Bioclimática de Givoni, em 1976, e revisada em 1992, com o objetivo de selecionar uma metodologia bioclimática. Através da NBR 15220, obtêm-se indicações fundamentais sobre a estratégia bioclimática a ser adotada no desenho de edifícios, utilizando-se a carta de Givoni. Os dados de temperatura e umidade relativa do ar exterior podem ser plotados diretamente sobre a carta (Figura 1), onde são identificadas as zonas de atuação.

 

Figura 1 Carta bioclimática adotada para o Brasil

Fonte: [15] adaptado pelos autores.

 

2.2.1 Estratégias bioclimáticas de conforto e diretrizes construtivas

Segundo a NBR 15220 [14], Belo Horizonte pertence à zona bioclimática 3. Nesta zona, o clima é mais ameno, com verão e inverno bem marcados. Apresentam como estratégias bioclimáticas de conforto: ventilação cruzada, aquecimento solar da edificação e vedação interna pesada.

 

2.2.1.1 Ventilação cruzada

A ventilação natural é a segunda estratégia bioclimática mais importante para o Brasil. Ela corresponde a um resfriamento natural do ambiente construído através da substituição do ar interno (mais quente) pelo externo (mais frio). A ventilação cruzada é uma das soluções arquitetônicas mais eficazes e comumente utilizadas. Exige basicamente duas aberturas em paredes diferentes e um conhecimento sobre a direção dos ventos nos períodos mais quentes do ano. Quando as aberturas estão em paredes paralelas e o vento é perpendicular, observa-se maior velocidade do vento através do ambiente, em paredes adjacentes a ventilação se mostra mais efetiva [15], como exemplifica a Figura 2.

 

Figura 2 Padrão de ventilação determinado pelo posicionamento das esquadrias

Natural Ventilation - NZEB

Fonte: próprios autores.

 

2.2.1.2 Aquecimento solar

O aquecimento solar é outra estratégia bioclimática relevante, especialmente em regiões com disponibilidade significativa de radiação solar. De acordo com Pellegrino [13], essa abordagem envolve a captura e o armazenamento da energia solar para aquecimento de água e ambiente. Painéis solares térmicos podem ser utilizados para coletar a energia solar, que é então transferida para sistemas de aquecimento. O aquecimento solar é uma alternativa sustentável aos sistemas convencionais de aquecimento baseados em combustíveis fósseis, contribuindo para a redução das emissões de CO2 e para a economia de recursos naturais.

 

2.2.1.3 Vedação interna pesada

A vedação interna pesada é uma estratégia bioclimática que visa melhorar a eficiência energética dos edifícios. Conforme sugerido por Santamouris [16], essa técnica envolve o uso de materiais de alta massa térmica, como concreto ou tijolos, nas paredes internas do edifício. Esses materiais absorvem e armazenam calor durante o dia e liberam lentamente à noite, ajudando a manter uma temperatura interna mais estável. Isso reduz a necessidade de aquecimento ou resfriamento mecânico, resultando em economias de energia significativas e uma pegada ambiental reduzida.

 

2.2.2 Outras estratégias climáticas

Além das estratégias de conforto, existem outras que contribuem significativamente para o meio ambiente, como: aproveitamento de água de chuva, coleta seletiva, composteiras domésticas, horta orgânica comunitária e jardim de chuva.

 

2.2.2.1 Sistema fotovoltaico

Uma das estratégias mais utilizadas é a implementação de sistemas fotovoltaicos para a geração de energia limpa e renovável. Conforme destacado por Alsema [17], os sistemas fotovoltaicos convertem a energia solar em eletricidade, aproveitando a abundante luz solar disponível. Isso não apenas reduz a dependência de fontes de energia não renováveis, mas também contribui para a redução das emissões de gases de efeito estufa. A combinação de sistemas fotovoltaicos com outras práticas bioclimáticas pode criar edifícios energeticamente eficientes e ambientalmente responsáveis.

 

2.2.2.2 Aproveitamento de água de chuva

O aproveitamento de água de chuva é uma estratégia bioclimática que desempenha um papel fundamental na gestão sustentável dos recursos hídricos. De acordo com Jain [18], essa prática envolve a coleta e o armazenamento da água das chuvas para uso não potável, como irrigação de jardins e descargas de vasos sanitários. Ao reduzir a demanda por água potável, o aproveitamento de água de chuva contribui para a conservação dos recursos hídricos e a redução do consumo de energia associado ao tratamento de água

 

2.2.2.3 Coleta seletiva

A coleta seletiva de resíduos sólidos é uma estratégia bioclimática que visa à minimização dos impactos ambientais causados pelo descarte inadequado de materiais. Segundo Bezerra [19], essa prática envolve a separação e o encaminhamento adequado de resíduos recicláveis, como papel, vidro, plástico e metal. Ao promover a reciclagem e a reutilização de materiais, a coleta seletiva reduz a quantidade de resíduos destinados a aterros sanitários, diminuindo assim a emissão de gases de efeito estufa e os impactos ambientais negativos.

 

2.2.2.4 Composteira doméstica

As composteiras domésticas são uma estratégia bioclimática que se concentra na redução de resíduos orgânicos e na produção de adubo natural. De acordo com Steiner [20], as composteiras permitem que os resíduos orgânicos, como restos de alimentos e resíduos de jardim, sejam decompostos de forma controlada, transformando-se em composto orgânico riquíssimo em nutrientes. Isso não apenas reduz a quantidade de resíduos enviados para aterros sanitários, mas também proporciona um recurso valioso para a jardinagem e a agricultura, promovendo a sustentabilidade e a economia de recursos.

 

2.2.2.5 Horta orgânica comunitária

A implantação de hortas orgânicas comunitárias é uma estratégia bioclimática que promove a produção local de alimentos saudáveis e a redução das pegadas ambientais associadas ao transporte de alimentos. Conforme ressaltado por FAO [21], as hortas comunitárias envolvem a colaboração de membros de uma comunidade na produção de vegetais, frutas e ervas. Além de fornecer alimentos frescos e de qualidade, as hortas orgânicas comunitárias contribuem para a redução do uso de agrotóxicos, a preservação da biodiversidade e o fortalecimento das relações sociais dentro da comunidade.

 

2.2.2.6 Jardim de chuva

O jardim de chuva é uma estratégia bioclimática que visa a gerenciar de forma sustentável o excesso de água das chuvas, promovendo a recarga dos lençóis freáticos e a redução de enchentes urbanas. Conforme destacado por Montalto [22], um jardim de chuva é um sistema de paisagismo projetado para capturar e infiltrar a água da chuva em áreas urbanas. Ele consiste em plantas nativas e elementos de design que permitem que a água seja retida, filtrada e absorvida pelo solo. Essa estratégia não apenas preserva os recursos hídricos locais, mas também contribui para a melhoria da qualidade da água, ao reduzir a poluição difusa e o escoamento de substâncias tóxicas nas águas pluviais urbanas.

 

3 METODOLOGIA

 

O desenvolvimento do projeto seguiu cinco etapas principais: definição do local, coleta de dados climáticos e socioeconômicos, estudo das soluções ecoeficientes, desenvolvimento do projeto arquitetônico e simulação e análise de desempenho.

 

3.1 DEFINIÇÃO DO LOCAL

 

O condomínio foi planejado para ser implantado no bairro de Venda Nova, em Belo Horizonte, uma área com grande demanda habitacional e infraestrutura adequada para receber um projeto de interesse social.

 

3.2 COLETA DOS DADOS CLIMÁTICOS E SOCIOECONÔMICOS

 

Utilizamos dados climáticos fornecidos pela plataforma Projeteee para compreender as condições atmosféricas da região, como temperaturas médias, volumes de precipitação e direção dos ventos. Além disso, foi realizado um levantamento socioeconômico da população local.

 

3.3 ESTUDO DAS SOLUÇÕES ECOEFICIENTES

 

Foram avaliadas diversas práticas de eficiência energética e conforto ambiental, como ventilação cruzada, captação de água de chuva, uso de brises e instalação de painéis solares. Essas soluções foram incorporadas ao projeto para otimizar o desempenho térmico e reduzir o consumo de energia.

 

3.4 DESENVOLVIMENTO DO PROJETO ARQUITETÔNICO

 

A partir dos dados obtidos, foi criado o projeto do condomínio, com base nos princípios da arquitetura bioclimática. As casas foram distribuídas de modo a garantir ventilação e iluminação naturais, além de maximizar o sombreamento nos períodos mais quentes do dia.

 

3.5 SIMULAÇÃO E ANÁLISE DE DESEMPENHO

 

O software EnergyPlus foi utilizado para simular o desempenho energético das habitações. Os resultados foram comparados com edificações tradicionais do PMCMV para validar os benefícios das soluções adotadas.

 

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

 

4.1 LEVANTAMENTO DOS DADOS CLIMÁTICOS E BIOCLIMATOLOGIA

 

Pesquisadores afirmam que os principais aspectos climáticos que agem diretamente sobre a edificação e, portanto, sobre o seu conforto ambiental são: temperatura do ar (bulbo-seco), umidade relativa do ar, ventos, radiação solar e precipitações. Porém, alguns destes fatores podem ter maior ou menor relevância no conforto térmico, de acordo com as características climáticas locais [15]. Neste trabalho, os dados climáticos da região alvo foram obtidos através da plataforma Projeteee – Projetando Edificações Energeticamente Eficientes [23], que faz parte do projeto “Transformação do Mercado de Eficiência Energética no Brasil”, resultado de uma parceria entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) em cooperação com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com o objetivo principal de influenciar e desenvolver o mercado de eficiência energética em edificações. O Projeteee é uma ferramenta pública que possibilita que os profissionais da construção civil integrem a seus projetos a variável da eficiência energética, especialmente através de elementos bioclimáticos.

Os primeiros dados climáticos apresentados são as médias máximas e mínimas de temperaturas (bulbo seco, bulbo úmido e zona de conforto), essenciais para a criação de um projeto bioclimático, pois determinam o tipo de envoltória, o tamanho das aberturas e os tipos de proteção, ilustrados na Figura 3.

 

Figura 3 Temperaturas médias típicas em Belo Horizonte

Fonte: [23].

 

Conhecer o volume pluviométrico também é essencial para o dimensionamento dos reservatórios, os quais dependem diretamente das áreas de captação (telhados e/ou superfícies pavimentadas), utilizados para o armazenamento de águas provenientes das chuvas. O reaproveitamento dessas águas evita o gasto de águas potáveis para usos onde não é necessário ser potável. Os dados das médias mensais das precipitações para Belo Horizonte estão representados na Figura 4. Neste projeto, a localização do reservatório (cisterna) será no térreo, a fim de não haver custos em reforços da estrutura para recebê-la. Ela será utilizada para irrigação dos jardins e da horta, e para limpeza e manutenção do condomínio.

 


 

Figura 4 Médias mensais das precipitações em Belo Horizonte

Fonte: [23].

 

A ventilação é um fator determinante para o conforto térmico da habitação. Os dados das velocidades, direções e frequência dos ventos é feito através de levantamentos feitos ao longo dos anos. A Rosa dos Ventos é uma representação gráfica da coleta desses dados. Para este projeto, além da análise da rosa dos ventos, foi utilizado o software Fluxovento [24] para simular a trajetória dos ventos dentro da edificação. O fluxo dos ventos obtido pode ser observado na Figura 5.

 

Figura 5 Fluxo dos ventos da casa tipo, obtidos a partir do simulador Fluxovento

Fonte: [24].

 

O estudo da trajetória solar pode ser analisado através da Carta Solar. Ela é uma ferramenta que auxilia no desenvolvimento do projeto, pois diz a posição exata do Sol em determinado momento. Esta informação é útil, pois indica se o sol vai penetrar em determinada abertura, se existe sombreamento por edificações vizinhas ou, ainda, se o dispositivo de sombreamento instalado é eficiente. Cada Carta Solar é feita para uma determinada latitude, onde as linhas horizontais representam os dias, as verticais as horas, as marcações no entorno do círculo o azimute, e as linhas concêntricas o ângulo solar. A Figura 6 apresenta a Carta Solar de Belo Horizonte.

 

Figura 6 Carta Solar de Belo Horizonte

Fonte: ARQ.UFMG, (2020).

 

4.2 PROJETO DO CONDOMÍNIO

 

O projeto do condomínio Ecoville, elaborado a partir de uma área disponível de 1080m² para implantação, está situado na rua Vazerlândia no bairro Candelária, na região de Venda Nova, na cidade de Belo Horizonte, como ilustrado na Figura 7.

 

Figura 7 Localização de venda Nova e do lote escolhido

Fonte: Google maps (2023) adaptado.

 

A área disponível para o condomínio permitiu posicionar 08 casas, divididas em 02 blocos de casas geminadas. Cada casa possui 38,32m2, dois quartos, um banheiro, sala e cozinha conjugadas e uma pequena área de tanque, se enquadrando na faixa dois do PMCMV. A planta da casa tipo está mostrada na Figura 8. A Figura 9 ilustra o posicionamento das casas no terreno.

 

Figura 8 Planta da casa tipo

Diagrama, Desenho técnico

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Próprio autor (2023).

 

Figura 9 Plantas do condomínio

Imagem de jogo de vídeo game

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Uma imagem contendo Interface gráfica do usuário

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Próprio autor (2023).

 

Os materiais empregados para envoltória e cobertura foram especificados de acordo com as diretrizes da norma MBR 15220/200: paredes externas e paredes leves e refletoras, paredes internas pesadas, forros leves isolados e pinturas refletoras.

O estudo da arquitetura bioclimática incentiva o aproveitamento dos recursos e condições ambientais locais, através de estratégicas projetuais específicas de acordo com o lugar em que a obra será inserida. A busca pela eficiência através das tecnologias construtivas deve se aliar a critérios estéticos, funcionais, de conforto e de eficiência. O primeiro estudo feito antes da implantação da edificação foi a análise do entrono do terreno. Através desta análise observou-se a existência um edifício e de pequeno porte e casas térreas que não interferem na incidência solar e não formam barreiras significantes para o fluxo dos ventos. Outros aspectos analisados foram a orientação das aberturas de modo aproveitar a ventilação natural e o posicionamento solar.  A inserção da planta na carta solar auxiliou nessa análise. As barreiras solares propostas neste projeto são brises verticais nas janelas, na forma de venezianas articuláveis, uma vez que a projeção do sol se encontrava em ângulos baixos, e por isso, barreiras horizontais não seriam eficientes nesse caso. Além dos brises, o paisagismo foi planejado de maneira a produzir sombreamento onde a incidência solar não era desejada.

A ventilação natural representa uma importante estratégia de conforto e melhoria das condições ambientais. No caso da cidade de Belo Horizonte, segundo Lamberts [15], esta estratégia pode se mostrar eficiente em aproximadamente 57% dos dias do ano. A ventilação cruzada foi o artifício utilizado neste projeto. As aberturas superiores promovem o fluxo cruzado e auxiliam na exaustão do ar quente. O estudo do fluxo dos ventos foi feito utilizando o software Fluxovento. O ajuste do posicionamento das aberturas nas paredes foi feito de modo a se obter uma boa distribuição da ventilação. O usuário pode ainda controlar a ventilação através das venezianas articuláveis, como mostra a Figura 10.

 

Figura 10 Sistema de venezianas articuláveis utilizada no projeto

Fonte: Próprio autor (2023).

 

As áreas permeáveis ocupam a maior parte da área comum. O paisagismo foi inserido para a melhoria do microclima do condomínio e como solução estética, além de minimizar os efeitos indesejáveis ocasionados pela incidência solar nas fachadas. Neste projeto, foi utilizado massa arbórea para filtrar a incidência solar no interior das edificações, e dar mais privacidade. Paredes verdes foram utilizadas para criar barreiras térmicas. O jardim de chuva (Figura 11) foi implantado para aumentar a absorção e ajudar no reaproveitamento das águas da chuva.

 

 

Figura 11 Sistema de venezianas articuláveis utilizada no projeto

 

Casa com paredes de vidro

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Fonte: Próprio autor (2023).

 

O pergolado, além de ser uma solução esteticamente agradável, serviu como suporte para a instalação dos módulos fotovoltaicos e como área de sombreamento para a academia a céu aberto (Figura 12). O seu posicionamento foi feito de modo que os módulos ficassem voltados para o norte. Dessa forma receberão incidência solar durante todo o dia. A inclinação utilizada para os módulos no projeto, foi ajustada de acordo com a latitude de Belo Horizonte, que é de 19º.

 

Figura 12 Módulos solares fotovoltaicos

Fonte: Próprio autor (2023).

 

A área de coleta seletiva foi implantada pensando na facilidade de recolhimento dos resíduos, através de um acesso separado do acesso de moradores, conforme visto na fachada. A pista destinada a rolagem dos veículos é feita com um calçamento permeável, utilizando blocos recicláveis intertravados, como mostrado na Figura 13.

 

Figura 13 Vista geral do condomínio

Fonte: Próprio autor (2023).

 

A horta orgânica, mostrada na Figura 14, e a composteira situam-se no fundo condomínio, onde não existe nenhuma barreira solar. O local é mais reservado para que os moradores possam ter mais privacidades durante o cultivo e colheita dos vegetais.

 

Figura 14 Horta orgânica

Fonte: Próprio autor (2023).

 

4.3 COMPARAÇÃO COM O PROJETO USUAL DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA

 

Comparando com os projetos tradicionais do PMCMV, o condomínio proposto apresentou uma redução significativa no consumo de energia elétrica e uma melhoria no conforto térmico. Nos projetos do PMCMV, que raramente incorporam estratégias de ventilação natural e uso de energia solar, o consumo energético é consideravelmente maior.

Por exemplo, enquanto os projetos convencionais do PMCMV em regiões de clima quente consomem cerca de 35% mais energia para climatização, o condomínio aqui proposto demonstrou uma redução de até 30% no consumo total de energia. Esse resultado foi obtido graças à aplicação de soluções bioclimáticas, como ventilação cruzada e sombreamento natural.

 

5 CONCLUSÕES

 

A qualidade da habitação interfere de várias maneiras nas vidas dos seus moradores. Fatores como saúde, conforto, bem-estar e qualidade de vida estão diretamente ligados a essas interferências. Porém, em construções de moradias populares, os empreendimentos são executados a critério do mercado, tendo o lado financeiro como principal definidor para a escolha das características dos projetos. Isso acarreta na inadequação de construções que não proporcionam condições desejáveis para moradia.

Neste estudo foi proposta a construção e apresentado o projeto arquitetônico de um condomínio social na região de Venda Nova, em Belo Horizonte, que se enquadra na faixa dois do Programa Minha Casa Minha Vida, utilizando soluções de conforto ambiental. Foi realizado previamente o estudo da bioclimatologia para permitir a implementação de soluções ecoeficientes, a fim de minimizar o consumo de água, de energia e a emissão de CO2. Soluções que incentivam a integração social e práticas saudáveis foram também incorporadas ao projeto.

O estudo bioclimático foi desenvolvido para a construção, onde soluções arquitetônicas simples e o uso do paisagismo contribuem para o conforto ambiental dentro das moradias. O projeto procurou ser desenvolvido de modo a ficar esteticamente agradável, e o paisagismo entrou como elemento para melhoria do microclima e como barreira solar e térmica.

A instalação de painéis fotovoltaicos e o sistema de filtragem e reutilização da água da chuva apresentaram um valor inicial de investimento alto e períodos de retorno do investimento a longo prazo. No entanto, avaliando conjuntamente todo o valor investido e a economia gerada, aumenta os custos no orçamento. Essas análises de custos não foram tratadas nesse trabalho, tornando necessário esse estudo para afirmar se seria financeiramente vantajoso.

E como proposta de continuidade desta pesquisa propõe-se estudos de outras tipologias de projeto e execução de um protótipo, para a recolhimento de dados e para incentivar empresários a utilizarem soluções que estejam de acordo com os pilares da sustentabilidade.

 

REFERÊNCIAS

 

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[14] ABNT, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220 – 3: desempenho térmico de edificações residenciais. Parte 3 – Zoneamento bioclimático brasileiro e diretrizes construtivas para habitações unifamiliares de interesse social. Rio de Janeiro, ABNT, 2005.

 

[15] LAMBERTS, R.; DUTRA, L.; PEREIRA, F. O. R. Eficiência Energética na Arquitetura. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ:  ELETROBRAS/PROCEL, p. 1-382, 2014.

 

[16] SANTAMOURIS, M., PAPANIKOLAOU, N., LIVADA, I., KORONAKIS, I., GEORGAKIS, C., ARGIRIOU, A., ... & ASSIMAKOPOULOS, D. N. On the impact of urban climate on the energy consumption of buildings. Solar Energy, v. 103, p. 158-176, 2016.

 

[17] ALSEMA, E. A., & WILD-SCHOLTEN, M. J. Environmental impact of crystalline silicon photovoltaic module production. Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 124, p. 109777, 2020.

 

[18] JAIN, S. K., KUMAR, S., & JAIN, M. K. Rainwater harvesting for sustainable water management in India: An overview. Journal of Water Process Engineering, v. 40, p. 101838, 2021.

 

[19] BEZERRA, A. C. V., NEVES, R. F. A., GOMES, G. L., & SILVA, L. G. P. Recycling and the environment: The coleta seletiva of recyclable waste in Fortaleza, Brazil. Resources, Conservation and Recycling, v. 113, p. 39-51, 2016.

 

[20] STEINER, C., HARTUNG, E., MICALES, J., RASKIN, R., & MCCOMB, A. Developing local compost markets: A case study of the NYC Compost Project. Resources, Conservation and Recycling, v. 126, p. 91-98, 2017.

 

[21] FAO. Urban and peri-urban agriculture. Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2014.

 

 

[22] MONTALTO, F. A., BEHR, R., ALFREDO, K. A., & WOLF, J. Total maximum daily load (TMDL) modeling of stormwater impacts on an urban watershed. Journal of Environmental Management, v. 82(4), p. 465-477, 2007.

 

[23] PROJETEEE. DADOS CLIMÁTICOS. Disponível em: http://projeteee.mma.gov.br/dados-climaticos/. Acesso em: 20 abr. 2020.

 

[24] PUC-RIO. Fluxovento. Disponível em: http://webserver2.tecgraf.puc-rio.br/etools/fluxovento/. Acesso em: 20 abr. 2020.

 

[25] ARQ UFMG.

 

[26] Google maps (2023)